quarta-feira, setembro 07, 2011

Entre carros e carrinhos

Lá estava eu em mais uma exaustiva aula de legislação de trânsito, com certeza a parte mais odiada dentre as tantas do processo de tirar a CNH. Tínhamos acabado de fazer um simulado e, mesmo faltando alguns minutos para o término, a instrutora havia encerrado as atividades do dia. Não coube a mim outra coisa senão fazer nada. Com o rosto debruçado na mão, passei o olhar sem foco por toda aquela sala cheia de placas, símbolos e definições, que por obra da rotina, eu já sabia de cor e salteado.

De repente, meus olhos que apenas passeavam sem compromisso encontraram um lugar para se fixar atentamente: As miniaturas de carros em cima de um projetor aposentado, que eram usadas para demonstrações de situações como ultrapassagem, baliza, entre outras. Já havia notado a presença delas antes, mas o momento era de tamanho tédio que me possibilitou uma breve lembrança. Quando menor, eu era fanático por carrinhos. Minha coleção pessoal era tão diversificada, ia de esportivos à tratores, eu tinha de tudo. Minha peça favorita era uma réplica exata de uma Ferrari que minha tia trouxe da Itália, meu xodó, pode-se dizer. Comecei a me indagar que não fazia ideia de onde maior parte dessa coleção estava, e também como me julgariam se, com a maioridade oficializada em RG, reestruturasse o vício da época de criança ao comprar carrinhos sem menor pudor, na ala de brinquedos de uma loja.

Na tentativa de moralizar as coisas dentro da cabeça, pensei comigo mesmo que era uma coisa de momento, que como todo bom sagitariano (ou como tentam me convencer dessa ideia), eu realmente não me importava com os carrinhos em si, estava apenas tentando sustentar uma vontade trazida pela minha falta de atenção. De fato, revirei minha casa atrás dos carrinhos e depois de muito trabalho e bagunça achei alguns que eu nem sequer lembrava. Com direito a questionamentos dos meus pais, que queriam entender o porquê daquilo tudo, me encontrei sem respostas. Foi o grito da minha infância, sei lá, aquilo que chamam de “criança interior”. Infelizmente, passou.

Foi então que eu percebi o que difere o adulto da criança: O uso e o julgamento da imaginação. Para a criança, a imaginação abre portas para diferentes mundos e nunca vai trair aquela grande inocência, a qual aquela acredita ser uma verdade incontestável. Já para o adulto, é um peso, e ter fantasias quando a realidade é tão fria e burocrática é mera perda de tempo, e tempo é uma coisa valiosa. Com base nessa teoria pessoal, não existem “adultos” em si, porque todo mundo é um pouco “criança” quando se permite.

Cortando a reflexão filosófica, o importante agora é que eu encontrei meus carrinhos e depois os guardei onde possam ser encontrados novamente, quando a criança gritar de novo. A “vida de adulto” continua e a carteira de motorista parece cada vez mais próxima a cada aula exaustiva de legislação. Dirigir um carro é um dos maiores sonhos de qualquer menino que antes usava qualquer superfície como pista de corrida e tinha a boca como instrumento de efeitos sonoros jamais imaginados em uma via urbana. Para aqueles que perderam seus carrinhos, lhe restam as lembranças de um tempo que não volta mais. Mas para todos nós homens recém formados, há sempre a esperança de recebermos o convite inocente de nossos futuros filhos pra brincar de carrinho. Quer dizer, claro, tudo pelo sorriso da criança, né?

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